Como funciona o sistema de justiça japonês?
No Japão, o sistema de justiça criminal é um sistema de três níveis composto por polícia, procuradores e juízes. A polícia investiga crimes e recolhe provas, o procurador apresenta acusações contra o arguido e julga o caso em tribunal, e o juiz decide a culpa ou inocência e profere a sentença.
Em Novembro de 2018, o caso Carlos Ghosn destacou as especificidades do sistema judicial japonês aos olhos da opinião pública internacional. Este sistema baseia-se num modo de funcionamento por vezes descrito no próprio Japão como “justiça de reféns”, destinado a obter confissões, um legado distante do sistema judicial da China Imperial perpetuado sob o xogunato no período Edo. A vergonha da prisão para o arguido e para a sua família constitui um suposto meio de pressão num país onde, segundo a tradição, inclusive nos processos cíveis, “a lei não entra na família”.
O sistema judicial japonês foi profundamente transformado no final do XIXe século com as reformas da era Meiji e depois, após a Segunda Guerra Mundial, sob a influência dos Estados Unidos. Como em qualquer sistema democrático, são possíveis três níveis de recurso, até ao Supremo Tribunal, e os direitos da defesa são garantidos pela Constituição. Os júris existem desde 1923 e são hoje compostos, para julgamentos criminais, por seis jurados populares e três juízes profissionais. Contudo, no sistema japonês, o papel dos procuradores é muito importante1. O objetivo é reunir os elementos de um julgamento, com base na confissão do acusado e nos depoimentos que podem prevalecer na ausência de provas.
Uma excepção entre as grandes democracias, os suspeitos detidos podem ser mantidos sob custódia policial e interrogados sem a presença de um advogado durante vinte e três dias, renováveis em caso de nova acusação. Até o julgamento, os promotores não são obrigados a divulgar as provas que possuem. O sistema de fiança só é possível após a acusação, sendo o principal argumento que nenhum meio de controle, como uma pulseira eletrônica, está previsto nos textos japoneses. Da mesma forma, a proibição quase total de escutas telefónicas justifica, para os procuradores, estes longos períodos de detenção destinados a obter informações.
Por outro lado, ao contrário da situação que prevalece em todas as outras grandes democracias, o número de detenções policiais é muito baixo, mas resulta numa condenação em mais de 89% dos casos. Vários casos de revisões de julgamentos, na sequência de confissões obtidas sem controlo, levaram à revisão do Código de Processo Penal em 2016. Entre as medidas adotadas, a gravação dos interrogatórios deve ser estendida a todos os casos julgados por júri popular – que representam apenas 3% dos casos – e devem ser instaurados procedimentos de confissão de culpa. A Ordem dos Advogados do Japão apela para que a presença de advogados, incluindo advogados nomeados pelo tribunal, seja também alargada ao período de custódia policial.
A pena de morte constitui outra especificidade da companhia japonesa, que é um dos últimos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), juntamente com os Estados Unidos e a Coreia do Sul, a praticá-lo. Em 2018, as autoridades levaram a cabo treze execuções, um número excepcionalmente elevado, de membros da seita Aum, responsável pelo ataque com gás Sarin no metro de Tóquio em 1995. Se para certas associações de vítimas, a pena de morte constitui o fundamento da ordem pública no Japão, o apoio público tende a diminuir, mesmo que a taxa de aprovação da pena de morte ainda tenha atingido 80% em 20152.
1. Os procuradores são aprovados num concurso diferente dos outros funcionários públicos e a sua carreira depende menos do poder político.
2. Em 2015, 80% das pessoas consideravam a pena de morte “inevitável”. Jun Hongo, “Forte apoio à pena de morte no Japão”, Wall Street Journal, 27 de janeiro de 2015, https://blogs.wsj.com/japanrealtime/2015/01/27/strong-support-for-death-penalty-in-japan.