Uma vítima da lei de eugenia do Japão compartilha sua história no cenário mundial.

Uma vítima da lei de eugenia do Japão compartilha sua história no cenário mundial.

TÓQUIO – Os arranjos de flores de papel de Saburo Kita são uma lembrança agridoce da vida que ele almejava antes de ser esterilizado à força sob a lei eugênica japonesa, agora extinta.

Kita foi considerado delinquente na infância e esterilizado aos 14 anos. Disseram-lhe que o procedimento servia apenas para "remover a parte ruim". Após a operação, descobriu que nunca poderia ter filhos.

Ele então viveu em um orfanato onde aprendeu a fazer papel. Optou por revelar a operação à esposa pouco antes de sua morte, descrevendo-a como um "segredo doloroso".

Agora com 82 anos, Kita oferece as flores de papel que cria como presentes às muitas pessoas que o apoiaram ao longo dos anos.

Segundo a lei de eugenia do Japão, em vigor de 1948 a 1996, as autoridades esterilizavam pessoas com deficiência intelectual, doenças mentais ou distúrbios hereditários sem o seu consentimento, para evitar o nascimento de descendentes "inferiores".

Segundo estimativas do governo, aproximadamente 25.000 pessoas foram esterilizadas, 16.500 delas sem o seu consentimento. Essa lei é frequentemente descrita como a pior violação dos direitos humanos na história do Japão do pós-guerra.

Kita (um pseudônimo) está agora na vanguarda de um movimento para conscientizar sobre os danos causados ​​às vítimas da eugenia pelo governo japonês antes que elas recebessem indenização e um pedido de desculpas do Estado no ano passado.

Em um evento realizado na sede das Nações Unidas em Nova York, em junho, Kita e outras vítimas da eugenia compartilharam suas experiências na esperança de que essa tragédia nunca mais se repita.

Os organizadores, incluindo o Japan Disability Forum, planejam dar continuidade a essa iniciativa no próximo ano, convictos de que a experiência japonesa servirá como um alerta para o mundo.

"Espero sinceramente que o Japão, e de fato o mundo inteiro, se torne uma sociedade onde as pessoas possam decidir por si mesmas (sobre seus direitos reprodutivos)", disse Kita à margem da conferência das Nações Unidas sobre a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, onde foi recebido com calorosos aplausos.

Segundo Osamu Nagase, de 66 anos, membro do comitê político da JDF envolvido no planejamento e organização do evento da ONU, cirurgias de esterilização forçada são praticadas em muitos países devido a sistemas como a tutela de adultos.

O sistema de tutela tem sido criticado por impedir que pessoas com deficiência que engravidam, entre outras, exerçam seus direitos reprodutivos.

Nagase disse que ficou particularmente impressionado com a situação de uma mulher com deficiência intelectual que conheceu na Tailândia há cerca de 20 anos. Ao saber que ela havia sido esterilizada à força, perguntou à cuidadora o motivo, mas ouviu como resposta que era "senso comum", um comentário que o enfureceu. Essa experiência inspirou sua campanha.

No Japão, a questão da esterilização forçada é cercada de tabus, não apenas devido ao preconceito e à discriminação contra pessoas com deficiência, mas também porque envolve questões de sexualidade e reprodução.

Apelando ao Estado para que "pare de esconder o problema", vítimas de esterilização forçada no Japão têm entrado com sucessivas ações judiciais buscando indenização do Estado desde 2018.

Alguns demandantes, incluindo Kita, lutaram publicamente e ganharam o caso perante o Supremo Tribunal em julho de 2024. O governo pediu desculpas e prometeu compensação e medidas para evitar que isso aconteça novamente.

Para Kita, a visita à ONU foi sua primeira viagem ao exterior, financiada pela indenização que recebeu durante o julgamento. Em seu tempo livre, ele assistia a jogos da Major League Baseball e presenciou um home run de Shohei Ohtani, do Los Angeles Dodgers.

O advogado de Kita, Naoto Sekiya, de 48 anos, que continua a apoiá-lo e o acompanhou aos Estados Unidos, acredita que ver uma vítima que sofreu tantas dificuldades começar uma nova vida pode encorajar "aqueles que não podem falar".

Em setembro, Kita realizou uma exposição em uma galeria em Tóquio, onde exibiu suas flores de ameixeira e hortênsias de papel. Ele afirma que a beleza das verdadeiras flores de cerejeira, que viu após serem esterilizadas, ficou para sempre gravada em sua memória.

Kita continuou a criar flores artificiais, sobrepondo e misturando papel colorido em tons de rosa, branco, azul e amarelo. "Era um sonho", disse Kita, referindo-se à exposição que durou quase um mês.

Ele chegou a levar um grande buquê de flores de ameixeira artificiais para os Estados Unidos, onde o presenteou a uma organização internacional para pessoas com deficiência.

A indenização às vítimas da lei revogada já começou, mas a conscientização ainda é limitada. Kita, que dedicou seu coração e alma às criações que agora dão sentido à sua vida, disse: "Espero que o maior número possível de pessoas seja salvo (da eugenia)".