Teorias da conspiração em torno da morte do ex-primeiro-ministro serão testadas no julgamento do atirador.
TÓQUIO – Teorias da conspiração que sugerem que o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe foi assassinado em 2022 em um atentado político, e não por um atirador solitário, podem finalmente ter seu momento de confirmação quando o acusado, Tetsuya Yamagami, for a julgamento.
Três anos após o assassinato de Abe durante um discurso eleitoral nacional, teorias da conspiração semelhantes às que se espalharam após o assassinato do presidente americano John F. Kennedy em 1963 foram alimentadas pelo uso generalizado das redes sociais e sua capacidade de disseminar desinformação, dizem especialistas.
Um dos pontos centrais do julgamento de Yamagami, que começa na terça-feira perante o tribunal distrital de Nara, é, portanto, se o seu depoimento e as provas apresentadas durante o processo judicial podem refutar essas teorias da conspiração, acrescentaram os especialistas.
Uma teoria afirma que um atirador de elite de uma agência de inteligência estrangeira baleou Abe durante seu discurso em 8 de julho de 2022, antes das eleições para a Câmara dos Conselheiros. Muitos dos que promovem teorias da conspiração são apoiadores de Abe, o primeiro-ministro que mais tempo serviu no país no pós-guerra e que gozava de forte apoio conservador por suas posições linha-dura.
"É verdade. Não há dúvida de que fui eu quem fez isso", disse Yamagami na primeira audiência de seu julgamento de grande repercussão no Tribunal Distrital de Nara, no oeste do Japão.
Os promotores afirmaram que o motivo do assassinato de Abe, de 45 anos, foi uma mágoa que ele nutria contra a Igreja da Unificação devido a doações vultosas de sua mãe, que arruinaram financeiramente sua família. O valor total envolvido foi de 100 milhões de ienes (US$ 660.000), segundo a equipe de defesa.
Segundo a acusação, ele tinha Abe como alvo porque isso atrairia "atenção e críticas" ao grupo. O avô de Abe, o ex-primeiro-ministro Nobusuke Kishi, ajudou a introduzir o grupo religioso fundado na Coreia do Sul no Japão na década de 1960.
Em 2023, Shinichi Yamaguchi, professor associado da Universidade Internacional do Japão em Tóquio, realizou uma pesquisa na qual descobriu que cerca de 10% dos entrevistados tinham conhecimento da teoria de que foi um atirador de elite, e não Yamagami, quem matou Abe.
Ao entrevistar aproximadamente 13.000 pessoas com idades entre 15 e 69 anos sobre teorias da conspiração em torno da morte de Abe, ele também descobriu que, entre os 10,7% que disseram estar familiarizados com a teoria do atirador, 14,3% acreditavam nela, enquanto 34,3% disseram não ter certeza se era verdadeira ou não.
Segundo Yamaguchi, as teorias da conspiração dão aos seus seguidores uma sensação de superioridade, porque acreditam saber o que os outros não sabem, tornando difícil para eles aceitarem informações que desafiem suas crenças.
Abe, que foi primeiro-ministro entre 2006 e 2007 e depois entre 2012 e 2020, forjou uma relação pessoal com o presidente dos EUA, Donald Trump, durante o primeiro mandato deste último, chamando um ao outro pelo primeiro nome.
Teóricos da conspiração também surgiram entre os apoiadores de Trump nos Estados Unidos, e adeptos da teoria da conspiração QAnon estavam presentes durante o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA em Washington, D.C., quando o Congresso tentava certificar a vitória de Joe Biden sobre Trump na eleição presidencial de 2020.
"Pode não fazer muita diferença, mesmo que as pessoas acreditem em uma teoria ou outra. Mas isso inerentemente acarreta o risco de dividir rapidamente a sociedade", alertou Yamaguchi.
Embora uma investigação realizada após o assassinato de Kennedy em 1963 tenha concluído que o ex-fuzileiro naval americano Lee Harvey Oswald agiu sozinho, teorias da conspiração persistem, incluindo aquelas que alegam o envolvimento de potências estrangeiras como Cuba.
Desde que Trump retornou ao poder, seu governo desclassificou inúmeros documentos relacionados ao assassinato de Kennedy, mas a mídia americana noticiou que eles não forneceram nenhuma evidência de conspiração.
Antes do início do julgamento de Yamagami, um grupo de jornalistas e advogados pediu ao Tribunal Distrital de Nara que tornasse as informações sobre o julgamento mais acessíveis ao público, salientando que se tratava de um evento que havia chocado a nação.
Eles solicitaram ao tribunal que permitisse que mais pessoas acompanhassem o processo, inclusive por meio de um monitor instalado em uma sala separada, devido à disponibilidade limitada de ingressos emitidos para o público entrar no tribunal.
“Se o tribunal for percebido como ocultando informações, isso contribuirá para a disseminação dessas teorias da conspiração”, disse Itaru Fukushima, co-líder do grupo e pesquisador da Universidade Ryukoku. “É o poder dos fatos que é necessário para combater isso.”

